A POETA AMOROSA
Fotografia: Wanderson Gomes de Souza
Por Lelo de Brito
Conheça um pouco da vida e da obra de Avani Grandi, poeta mineira de Três Corações, cujo primeiro livro solo está sendo preparado em parceria com o Vagão 98
Avani Grandi Pereira fala de si com absoluta simplicidade, sem pretensão ou pesar. Filha mais velha entre quatro irmãos, nasceu em 1949, em uma fazenda, em Três Corações, no Sul de Minas. Aos 18 anos, levava uma vida de noviça; amava os pais, frequentava a igreja, cursava o magistério, sonhava em ser psicóloga e era noiva de um funcionário público federal. Nada lhe indicava que, um ano mais tarde, sua vida sofreria mudanças profundas.
O primeiro passo para fora do paraíso dos anos de formação veio aos 19 anos, com a transferência do noivo para a cidade de Nanuque-MG, cerca de 1.000 km ao norte de Três Corações. Pressionada pela moral vigente, Grandi abandonou o magistério e sonho de ser psicóloga para casar e se mudar com o companheiro. Distante dos pais, irmãos, amigos, das paisagens da infância e de seus primeiros sonhos, ela entristeceu e se isolou em casa. Da porta para dentro, se viu obrigada a dividir o teto com o machismo e o vício, descobriu a solidão e recebeu as primeiras visitas da depressão.
Na temporada em Nanuque nasceu o casal de filhos, Cássia em 1970 e Leandro em 72. Quando a mais velha completou cinco anos de idade, o marido foi transferido para outra cidade mineira distante, Governador Valadares, no leste do Estado. Lá, se por um lado a depressão de Grandi agravou-se, por outro lado ela descobriu algo que faria parte de sua vida para sempre: a literatura. Um vizinho próximo, que cultivava uma boa biblioteca em casa, passou a lhe emprestar romances, os quais ela lia a cada vez com mais paixão. A leitura de prosa levou-a a se interessar pelas poesias publicadas em jornais e revistas, que ela recortava ou copiava em cadernos, para guardar. Foi assim que Grandi começou a escrever.
Porém, antes que a literatura se tornasse parte importante de sua rotina, Grandi teve que acertar contas com a depressão. Como as crises haviam se intensificado, ela voltou para a cidade natal. Um mês após a chegada, seu grande amigo e pai faleceu, agravando o quadro. No lento e penoso processo de recuperação, ela teve que buscar ajuda clínica na capital mineira. Superada a fase mais aguda da doença, decidiu se separar e criar os filhos em Três Corações.
Para ganhar a vida, Grandi passou a oferecer pensão a estudantes de uma faculdade vizinha de sua nova casa. E para superar os traumas e organizar o caos psicológico, fez da escrita um gesto cotidiano. A forma literária escolhida por ela preza pela proporção e o ritmo: a poesia rimada. Por escrever diariamente, à mão, em cadernos que foram se acumulando pela casa, repletos de versos doces e bem medidos, os amigos próximos logo apelidaram-na de “Poetisa". “Meus primeiros poemas eram lamentos, esgares, eu procurava retratar neles as dores da alma que sentia”, ela disse ao Vagão 98, em sua casa, no começo de agosto. Mais tarde vieram os poemas românticos. “Quem lia achava que eu estava apaixonada por alguém, mas eram amores platônicos, que eu inventava para me distrair.”
A relação da Poetisa com seus versos, desde o começo, foi intensa. “Eu acordava de madrugada e ficava horas escrevendo e reescrevendo mentalmente um poema, com medo de perdê-lo. Já queimei comida e perdi compromissos distraída com a inspiração”, ela conta.
Em 1984, ainda sem pensar em publicar livros, mas já emancipada da fase romântica, Poetisa começou a participar de premiações literárias. Com o poema “O mendigo”, obteve o terceiro lugar no tradicional Concurso Lions, da Incor, a faculdade próxima de sua casa, também disputado por estudantes de letras e filosofia. No ano seguinte, seu poema “O andarilho órfão” foi selecionado para integrar o livro Coletânea Brasileira. Em 1991, “Palhaço” foi o sétimo colocado entre poemas de 271 autores, em um concurso nacional cujo nome perdeu-se no tempo.
A partir do final dos anos 80, Poetisa ganhou a companhia constante de dois agitadores culturais tricordianos, o cronista Wanderson Gomes de Souza e o radialista João de Oliveira Silva. Em noites de boemia e literatura, impressionados com a constância e a robustez da obra da amiga, que chegou a contar com mais de 3000 poemas, eles a incentivaram a organizar o primeiro livro. Em 1993, com edição da Prefeitura de Três Corações, foi publicado “Baú de Pétalas”, que Grandi dividiu com Memei Corrêa.
Passados quase 30 anos, agora com apoio, além de Souza e Silva, do Vagão 98 e seus parceiros, começou a ser gestada a primeira publicação solo de Avani Grandi. Ainda sem data de publicação prevista, a obra deverá ser lançada em formato de e-book no próximo ano.
“A gente precisa de um faz de conta na vida, porque vivemos muito de ilusões”, disse para se despedir Grandi, sempre amorosa, ante as fotografias de seus dois filhos, seis netos e quatro bisnetos, com a sabedoria de quem fez da poesia sua parceira de uma vida inteira.
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Enquanto o novo livro de Avani Grandi está em preparação, você pode curtir um pouco da lírica e da graça de sua poesia, até aqui inédita na internet, nas redes sociais do Vagão 98. A partir de hoje, até a próxima quarta-feira (24/8), será publicado um poema por dia, como parte das comemorações pelo oitavo aniversário do Vagão 98.
Quatro poemas de Avani Grandi
O Mendigo
Um homem, mendigo.
Que Já foi jovem
Já foi até criança
Com olhar de muita esperança
Que já tive ilusão
Um apaixonado coração.
Ao decorrer dos anos
De fracassos contínuos
De perdas infinitas
Morreram suas esperanças
Evaporou sua ilusão
Morreu sua paixão.
Só o fracasso o domina
O frio da noite é sua sina
Pois Já não tem um lar
Nem se lembra da palavra amar
Não tem sequer um pedaço de pão
Tampouco um palmo de chão.
Também não sabe a sua idade
Só sabe que sente a saudade
Invadindo o seu Ser
Ai se põe a beber
E bebe cada vez mais
nada, nada o satisfaz.
Seu semblante envelhecido
Triste, muito desnutrido
Vagando pelas ruas da cidade
Implorando a caridade.
Nada muda em sua vida
Pois ela está perdida.
Só espera dos dias seus
Aquele momento solene
Em que irá se encontrar com Deus
(1984)
Andarilho Órfão
No rosto sujo, magoado
Que a miséria corroeu
Já com rugas marcado
De tanto que padeceu.
Na soleira de uma porta…
Pede água, pede pão...
Espera algo a mais que lhe conforte
a alma, o coração.
Seus olhos filtram anseios
Misericórdia esperando
E quase em devaneios
Carinho, mais que tudo desejando.
Não conhece o que é amor
Já nasceu prejudicado.
Seu согро sulcado pela dor
Tão jovem, tão desprezado
Predestinado a sofrer
Pela cidade a vagar
Perguntando a si mesmo
O que será ter um lar!
(1985)
Filhos do Mundo
Filhos da vida
Caminheiros da ilusão perdida
Filhos da fé, do amor,
Na constante busca do Salvador.
Galopantes na vontade de viver
O objetivo é sempre vencer.
Contínua ansiedade
Em busca da felicidade.
Filhos de mãos dadas
Caminhando em estradas alongadas
Arrastando sonhos despedaçados
Um monte de ideais inacabados.
Faces cansadas, envelhecidas
De tanto lutar pela vida
E o tempo que come, não dá tempo
Das realizações, dos eventos
Dos filhos de Deus, Pai de amor profundo
Filhos do mundo.
(1986)
Palhaço
Transmissor da alegria
De eletrizante magia
Que a plateia domina
Ao mundo truques ensina.
Faz da vida ilusão
No meio da confusão.
Faz tudo tornar-se belo
O Palhaço é o elo
Do real e do irreal
Viaja ao espaço sideral
Para buscar felicidade.
Mas poucos sabem, na verdade
Que dentro do coração do palhaço
Algo desfaz o laço.
Em agonia um nó se trava
Contorcendo a sua mágoa.
Mas a esconde num sorriso
E todos julgam um paraíso
A vida de um palhaço.
(1991)