- Lelo Brito
- 20 de mar. de 2021
- 4 min de leitura

Na pacata Três Corações da metade da década de 1970, o rock, a literatura e o cinema inspiraram três adolescentes a criar o folhetim cultural que levou um generoso poeta a ter com a ditadura militar. Quem conta essa história é um dos jovens editores de "João", o escritor e compositor Luiz Felipe Rezende.
Em 1975, Roberto Iemini de Carvalho, João Bosco Rezende e eu éramos jovens na faixa de 15 a 17 anos. Quando saíamos do colégio, antes do almoço, ficávamos no banco da praça conversando e vendo as meninas passarem. Achávamos que a nossa provinciana Três Corações estava numa mesmice tediosa e tivemos a ideia de criar um jornal com o objetivo de agitar um pouco. Foi também num banco da praça Odilon Rezende Andrade que, após uma longa discussão, chegamos ao consenso do nome do jornal: JOÃO. Não sei por que essa escolha.
Éramos amigos de Darcy Brasil, poeta e diretor da Biblioteca Municipal e levamos a ideia para ele. Darcy nos apoiou integralmente. Começamos a pensar num slogan: João, um jornal de Arte e Cultura. Darci ficou pronunciando “arte e cultura, artiicultura, articultura...”- Não, não soa bem, concluiu. Então colocamos: João, um jornal de Cultura e Arte. Ficava melhor, segundo o poeta. E o mais importante é que Darcy Brasil nos apoiou para conseguirmos os anunciantes. Ele escreveu uma crônica em outro jornal esculhambando os comerciantes locais: chamou um de turco pão-duro, insinuou que outro vivia na zona e falou que outros dois piraquaras vigaristas só sabiam pescar lambaris no Corgo Fundo. Disse que o prefeito, patrão dele, parecia duro como um aiatolá. Incluiu até o meu avô, o português Américo Campos, que se equilibrava no comércio e distribuição de bebidas. Falou que os comerciantes não faziam nada pela cultura na cidade: "são seres de outro planeta ou são seres inanimados?" Darcy era amigo de todos eles, então tinha a liberdade de falar desse jeito.
Logo surgiram os apoios e os patrocínios. Então nos animamos e começamos a divulgar. João Bosco bolou um panfleto com os dizeres “JOÃO VEM AÍ”. Sem dizer nada do que se tratava, levantava a curiosidade, e segundo ele, este seria o efeito da publicidade. Lembro, por exemplo, que saímos num sábado à noite panfletando nos bares da cidade. Também espalhamos, no boca-a-boca, que o jornal seria de oposição, contrário àquele estado de coisas, em plena ditadura.
Mas a repercussão dessas últimas ações não foi boa. Um jipe do exército com um tenente e um soldado foi buscar Darcy Brasil na biblioteca. No quartel, dentro da Escola de Sargentos das Armas, o capitão pegou o nosso impresso “JOÃO VEM AÍ” e perguntou para o Darcy: - o que é isto? O militar quis saber se tinha a ver com o ex-presidente João Goulart, na época exilado no Uruguai. Darcy negou a relação com o ex-presidente e explicou que o impresso foi criado apenas para anunciar um pasquim criado pelos garotos. O militar retrucou: - consideramos isso como um panfleto subversivo, pois não identifica do que se trata. Isso é proibido! Depois do episódio, os comerciantes começaram a ligar para o Darcy dizendo que retirariam o apoio se fôssemos criticar as autoridades.
Darcy nos chamou à biblioteca e falou: - se vocês forem por essa linha, eu tô fora. Ora, alguém vai querer dizer que ele deu pra trás. Não foi isso, pois quando o procuramos, falamos que o nosso pasquim abordaria apenas Arte e Cultura. Além do mais, era 1975, ano em que, por exemplo, Wladimir Herzog, diretor de jornalismo da TV Cultura de São Paulo, fora assassinado nas dependências do Exército. Darcy Brasil não gostava de ditaduras, expressou isso em sua obra. E a sua intenção era apenas ajudar os garotos a realizarem um pequeno sonho.
Tudo bem. Concordamos. Então vamos falar apenas de Cultura e Arte. No editorial de abertura do jornal, Darcy falou dos lírios no campo, tão bem conhecidos da Bíblia e do romance de Érico Veríssimo. E escreveu: “Que os garotos permaneçam no caminho certo, ou pelo menos, mais ou menos certo”. O jornal João publicou uma longa entrevista com o cineasta tricordiano Braz Chediak, que na época ganhou prêmio internacional e foi destaque no New York Times por seu filme Navalha na Carne, baseado em texto de Plínio Marcos. Na entrevista, Braz criticou alguns cineastas por estarem fazendo adaptações mal feitas e desrespeitosas da obra de Machado de Assis. Na época achamos que ele exagerou na crítica. Mas hoje estou certo que não, diante da importância literária de Machado de Assis. De tudo que já vi sobre o Bruxo do Cosme Velho no cinema, gosto apenas da adaptação de Memórias Póstumas de Brás Cubas dirigida por Júlio Bressane, mineiro de Campanha.
Ainda naquela época, o departamento de cultura municipal promoveu eventos de vanguarda a que o nosso pasquim deu grande destaque, como as duas peças teatrais de Fernando Arrabal: “Fando e Liz” e “Cemitério de Automóveis”, encenadas na cidade. Escrevemos ainda sobre vários filmes de Ingmar Bergman e Pier Paolo Pasolini. E publicamos artigos de música falando de Pink Floyd, Lou Reed e Made in Brazil, entre outras bandas, além de publicarmos crônicas, contos e poemas escritos por autores tricordianos.
Sobre a pressão que sofremos para que não criticássemos o sistema, hoje penso que, nessa primeira e pequena experiência com jornalismo, eu já deveria ter aprendido a lição de que imprensa independente é um mito. Se as corporações injetam tanto dinheiro em anúncios e verbas publicitárias, como vamos querer que a mídia tenha autonomia? E o que acontece no microcosmo de uma pequena cidade do interior também acontece no resto do país. Levou um tempo, nada como o Tempo, para que eu compreendesse essa lição relativamente simples.
Por Luiz Felipe Rezende, compositor e escritor, convidado da 5ª Feira Literária das Águas Virtuosas, que será realizada entre os dias 07 e 16 de maio, com programação online. Mais informações em breve.
Darcy Brasil apresenta o João

Fonte: acervo pessoal de Luiz Felipe Rezende
- Lelo Brito
- 18 de mar. de 2021
- 2 min de leitura

Começou o processo de classificação das propostas de artes plásticas, artesanato, música, teatro e de grupos de culturas populares e tradicionais. Seguem abertas até o dia 30 as inscrições para audiovisual, fotografia e para o concurso literário.
O Centro Cultural Vagão 98 recebeu 115 propostas na disputa pelos prêmios das categorias artes plásticas, artesanato, música, teatro e grupos de culturas populares e tradicionais (Edital 001/2021). As inscrições foram feitas no site da entidade, entre os dias 01 e 15 de março.
Até 23 propostas serão contempladas com o auxílio emergencial para artistas, com prêmios de R$ 600,00 para artistas plásticos e artesãos e de R$ 1.200,00 para grupos de teatro e de culturas populares e tradicionais, totalizando R$20.400,00 em repasses, pagos com recursos do Estado de Minas Gerais, através da Lei Aldir Blanc (Lei Federal nº 14.017/2020).
O processo de avaliação - habilitação / classificação / seleção - de propostas será realizado até o dia 16 de abril, quando a classificação preliminar será publicada. Entre os dias 16 e 21 de abril correrá o prazo de interposição de recursos ao resultado preliminar. O resultado final será publicado no dia 26 de abril e os prêmios pagos entre 27 de abril e 07 de maio.
O edital contemplou artistas residentes em 14 cidades do Circuito das Águas e entorno: Lambari, Jesuânia, Olímpio Noronha, Carmo de Minas, São Lourenço, Dom Viçoso, Soledade de Minas, Cambuquira, Campanha, Baependi, Três Corações, Conceição do Rio Verde, Caxambu e Heliodora.
Os artistas destas cidades ainda podem concorrer ainda ao concurso literário e aos prêmios para fotografia e audiovisual (Edital 002/2021). Mas é necessário comprovar atuação em uma destas categorias. Para se inscrever ou acessar mais informações sobre o concurso literário e os prêmios para fotografia e audiovisual, clique aqui.

- 4 de jan. de 2021
- 2 min de leitura
Atualizado: 24 de fev. de 2021
Ser ou não ser, como dizer?

Fonte: UOL
Estudos da linguagem apontam que nós utilizamos, em média, cerca de 1.500 palavras do português brasileiro ao longo da vida.
Com este "arsenal", eu e você lemos jornais e revistas, narramos memórias, escrevemos bilhetes e e-mails, rondamos nossa própria alma, inventamos mentiras e discutimos as maravilhas e as misérias da vida. Criamos e povoamos o nosso mundo.
Já Willian Shakespeare (1564-1616), o pater familias da literatura mundial, utilizou incríveis 21 mil palavras diferentes na composição de sua obra monumental. Nada menos que 1.800 delas eram neologismos - palavras inventadas -, alguns ainda vivos na língua inglesa, passados mais de 400 anos.
Todo esse arsenal semântico, contudo, importará menos pelo volume do que pelo gênio universal que com ele foi inventado. Shakespeare, manejando vasto léxico com intimidade sobrenatural, deu vida a uma multidão de personagens que não raro nos parece mais real que nós mesmos. Para o crítico literário e escritor Harold Bloom, a força motriz da obra de Shakespeare está no fato de que as personagens, ao conversarem, falam de si para si mesmos tanto quanto falam ao outro. Uma autoescuta inédita então e que, além de representar uma nova forma da literatura, inaugurou a própria substância humana de que hoje somos feitos.
"No mais famoso de seus sete solilóquios, Hamlet ouve (por acaso?) a si mesmo contemplar a possibilidade de armar-se contra um mar de desventuras e dar-lhes fim tentando evitá-las. Todos nós, que defendemos interesses literários, herdamos a noção equivocada de Hamlet, relativa ao poder da mente do poeta diante de um mar, de um universo mortal. O que Shakespeare inventa, de modo supremo, por meio de Hamlet, é a afirmação interior de uma oposição àquilo que mais ameaça o sempre dinâmico espírito do eu. O estudo que Hamlet faz de si mesmo é algo absoluto, e reduz o que está fora do eu a um mar de desventuras. Sempre refletindo sobre as próprias palavras, como se fossem e não fossem ditas por ele mesmo, Hamlet torna-se teólogo da própria consciência [...]" anota Bloom.*
Hamlet, assim como Falstaff, é um artista supremo da autoescuta que determina toda a obra de Shakespeare. E, por acaso, a autoescuta não constitui propriamente a invenção do humano em que nos reconhecemos hoje?
"Das coisas humanas que podem nos assombrar, vem a força do verbo em primeiro lugar." Raduan Nassar
Por: Lelo de Brito
*Fonte: Harold Bloom. Gênio: os 100 autores mais criativos da história da literatura. Trad: José Roberto O'Shea. Ed. Objetiva, 2003.
Vem aí a 5ª Feira Literária das Águas Virtuosas (FLAVIR), em maio. Informações em breve!




