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  • Foto do escritorLelo Brito

UMA CADELA DE SÃO TOMÉ DAS LETRAS-MG


croniqueta


Doralice, acreditem, é uma cadela analisada. Sem o menor complexo de vira-lata ou de cão de guarda, não gosta de latir e julga histérico pular em humanos. No quintal, ignora tanto os conhecidos quanto os estranhos e não se comove se, de repente, espoca uma confusão. Toda vez que a comida da gata Bichana é servida, vai até lá e confere o cardápio, mas nunca mexe na tigela. Jamais deu o pescoço à coleira, passeia todos os dias bem cedo, prefere ir sozinha. Fareja os ermos nas ruas, indiferente aos carros, motos, bicicletas e passantes. Sua compaixão por nossa espécie é imensa. Ao que parece, só uma coisa sobressalta Doralice, algo que ela evita sem disfarçar, de que se esconde e, se puder, foge: os banhos, pois sai deles um pouco deprimida. Seus sentimentos pela humanidade são muitas vezes confundidos, que fique bem claro, pelos humanos, com um traço de melancolia. Qual o quê. Doralice é uma distinta e bem resolvida mestiça caramelo, educada nas ruas de São Tomé das Letras-MG. Se atrasam o almoço, ela reclama discretamente, com um olhar aflito. Busca as sombras no verão e, no inverno, leva os dias ao sol. Chegou para se recuperar da castração e nunca mais foi embora. Doralice sabe viver.

Lelo de Brito é cronista e editor da revista Tabuleiro, do Vagão 98.


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