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  • Foto do escritorLelo Brito

Os Puri e o marco temporal

Atualizado: 31 de ago. de 2021


Povos Indígenas em Brasília contra a tese do marco temporal.

Fotografia: @cicerone.bezerra


Fato histórico, desde a semana passada mais de 6.000 indígenas, de 176 etnias, presentes em todos os estados brasileiros, instalaram um mega-acampamento, próximo à Praça dos Três Poderes, em Brasília-DF. Eles protestam contra a possível aprovação, pelo Superior Tribunal Federal (STF), da chamada tese do marco temporal. O julgamento, que será retomado na próxima quarta-feira (01/9), decidirá se os indígenas brasileiros têm ou não direitos sobre territórios que não eram ocupados por eles quando da promulgação da Constituição Federal, no dia 05 de outubro de 1988. A decisão do STF será de repercussão geral, ou seja, valerá para todos os processos sobre demarcação de terras indígenas. Hoje, 82 deles aguardam a decisão. Há intensa pressão do agronegócio e do governo Bolsonaro para que o marco temporal seja reconhecido, em desfavor dos povos originários. Existe ainda a possibilidade de o STF postergar a decisão, dando tempo a que o tema avance no Congresso Nacional e os parlamentares decidam a questão por lei que regulamente o tema.


De acordo com a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), as áreas indígenas hoje ocupam 12.5% do território nacional. E, segundo a MapsBiomas, apenas 1.6% deste território foi desmatado nos últimos 30 anos. De acordo com o Censo Nacional de 2010, o Brasil tem uma população indígena de 817.963 pessoas, das quais 517 mil vivem em territórios demarcados. Entre os povos que seguem lutando pela demarcação do território próprio estão os Puri, considerados guardiões da Serra Mantiqueira.


Conheça um pouco dos Puri nesta reportagem exclusiva da 1ª edição de Tabuleiro, a revista cultural do Vagão 98.

OS PURI

Por Lilian Silva

O povo Puri, hábeis pescadores, viviam no litoral do Espírito Santo e do Rio de Janeiro. Com a chegada dos colonizadores, em 1500, eles se viram forçados a recuarem serras acima, fugindo do genocídio e da escravidão, a que eles se opunham ferozmente. Perseguidos como todos os povos originários insubmissos, os Puri só conseguiram sobreviver ao assalto colonialista graças à sua imersão e rápida adaptação em matas e serras de difícil acesso. Na diáspora, eles se espalharam em grupos, desde o Rio Paraíba fluminense e paulista, penetrando na parte oriental de Minas Gerais, na região da Serra da Mantiqueira, até o Espírito Santo.


Nos grupos Puri, o chefe era eleito pela astúcia, braveza e habilidades de guerreiro, mas não exercia poderes sobre o povo. Polígamos e nômades, eles viviam da caça, da pesca e da fartura das florestas, o que lhes dispensava da agricultura e da navegação.

Até ao final do século XIX, os Puri mantiveram boa parte de seus costumes. A partir daí, a história oficial deu por extinta a cultura e a etnia, como parte das conhecidas estratégias coloniais de apagamento da memória dos povos originários. Nas últimas décadas, porém, remanescentes e descendentes dos Puri e pesquisadores têm feito esforços coordenados para, através da recuperação do idioma, dos costumes e de outros saberes desse povo, lutar pelo direito deles a ter seu território reconhecido e seus direitos assegurados. Disto depende, entre outras coisas, o nosso conhecimento das florestas e a preservação e recuperação ambiental da Serra da Mantiqueira.


Dois trechos do livro Boacé Uchô, a história está na terra (2020), da escritora e editora puri Aline Rochedo Pachamama

Nós somos plurais porque estamos ligados à imensa teia da vida na Mantiqueira. Também por esse motivo, tudo que é relacionado a ela nos interessa, pois dela fazemos parte. Cada inseto que transmuta e se refaz em nova cor; a folha, que cai da árvore e agora é raiz; a flor, que cumpriu seu percurso e amanheceu fruto; a formiga, que ultrapassa as expectativas da física e carrega algo cem vezes mais pesado que ela mesma; o tutù (tatu), que abre caminhos; o màru (gavião terra), com seu voo decidido e preciso; a shahmûm (cobra) e o sagrado feminino; chindêda (beija-flor), que encanta com seu voo mágico, o qual nos estimula a encontrar a doçura e a alegria de cada situação; as águas da Mantiqueira, de que tanto precisamos; todos fazem parte dessa teia. A vida é para o Encontro. E estamos interligados por meio de sementes, raízes, folhas, flores e frutos. Companhia tanto para a alimentação quanto para o uso medicinal e espiritualidade.

***

Para Teresinha Puri, viver na Mantiqueira faz com que se sinta parte da própria Mantiqueira. “Eu moro no meio da natureza, num cantinho ainda preservado de mata. Eu contemplo a chegada da Lua. Converso com a natureza. Isso tá muito relacionado ao nosso sangue Puri. Eu amo cada planta, cada pássaro, tudo que está relacionado à natureza e defendo mesmo. Minha avó fazia bonequinhas de pano. Tudo à mão. E parte de comida, pamonha... Milho cozido... Tudo que vem do milho e do pinhão. E meu contato com as ervas...quando vou preparar um chá, alguma coisa, é a natureza falando comigo.”

Teresinha Puri, Maringá-MG, Serra Mantiqueira, agosto de 2019


Clique na capa para baixar gratuitamente seu exemplar de Tabuleiro. E curta, entre outras matérias inéditas, o artigo do historiador Gustavo Uchôas sobre o seu livro “Histórias e culturas indígenas na Mantiqueira e vale do rio Verde”, de 2019, que apresenta um panorama dos estudos sul mineiros sobre os Puri.




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